quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Aqueles dois













"Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra.."

A cumplicidade masculina é algo notável. Sempre observei isso e vendo peças como essa só me dá mais certeza de que como homens e mulheres são diferentes nesse aspecto.

Engraçado como uma linha de raciocínio puxa a outra e se forma uma idéia ou um texto, ontem a noite estava conversando com o Alysson, um amigo jornalista exatamente sobre essa cumplicidade.
"Aqueles dois" é um texto do Caio Fernando Abreu de 1982 publicado no livro Morangos Mofados. Tive o prazer de assisti-la domingo com o Vlad e o Gilmar.

Os atores Cláudio Dias, Marcelo Souza e Silva, Odilon Esteves e Rômulo Braga estão afinados na defesa do texto que conta a história de dois trabalhadores de uma repartição burocrática no centro de São Paulo, Raul e Saul. Entre um cafezinho e outro, os dois vão se aproximando pouco a pouco.
Isso gera a desconfiança e a repressão dos outros colegas de trabalho. Eles reagem com vigor destrutivo diante da beleza que brota da altivez dos dois personagens, ainda não afetados pela mediocridade reinante no lugar. O estilo direto e simples da escrita de Caio Fernando Abreu aparece com naturalidade na boca dos atores.
A montagem criada e dirigida pelos quatro, ao lado de José Walter Albinati --integrante da companhia que optou por fazer o olhar de fora dessa vez--, apresenta impressionante preparação corporal do elenco. Jogos coreográficos servem para dar ritmo e beleza à encenação. O desenho cênico bem cuidado ajuda a sensibilizar a platéia para a história daqueles dois.

"E concordaram, bêbados, que estavam ambos cansados de todas as mulheres do mundo, suas tramas complicadas, suas exigências mesquinhas. Que gostavam de estar assim, agora, sós, donos de suas próprias vidas. Embora, isso não disseram, não soubessem o que fazer com elas."

Não há um personagem para cada ator. Todos eles defendem Saul e Raul, bem como a relação tenra entre os dois. Nada no espetáculo é gratuito ou vulgar, nem a nudez explícita dos quatro atores, na cena em que Raul e Saul resolvem dormir nus ao lado um do outro, por conta do calor. A falta de roupa dos atores não agride; muito pelo contrário: é singela e necessária.
O cenário intimista traz caixas de madeira, cadeiras, aparelhos sonoros, um vilão, máquinas de escrever, telefones e a garrafa de café, em volta da qual aqueles dois se aproximam.
Perdidos na solidão de São Paulo, os forasteiros Raul e Saul se entregam ao carinho possível dentro e fora daquele escritório no qual estão enclausurados das 10h às 18h, entre grampeadores quebrados e mensagens impessoais. Como diz o próprio conto de Abreu: "que mais restava àqueles dois senão, pouco a pouco, se aproximarem, se conhecerem, se misturarem?"
O grupo reúne com sensibilidade discos presentes na vida de Caio Fernando Abreu, bem como na de sua geração. Vinis de Cazuza, Michael Jackson e Carlos Gardel circulam nas mãos dos atores. Ângela Rô Rô canta "Amor Meu Grande Amor" e Cazuza e Bebel Gilberto fazem dueto singelo em "Preciso Dizer Que Te Amo", canções que embalam a história.

"...o que mais restava àqueles dois senão, pouco a pouco, se aproximarem, se conhecerem, se misturarem? Pois foi o que aconteceu. Tão lentamente que mal perceberam."

Para ler o conto na íntegra, acesse http://www.releituras.com/caioabreu_dois.asp
Li, assisti e me emocionei.







2 comentários:

Marcos Freitas disse...

Olha, parece ser ótimo.

Léo.Freitas. disse...

Eu achei essa peça genial. Os atores, a fotografia, a dinâmica, a intensidade das frases, a trilha (quando tocou Angela RoRo cantando "Amor meu grande amor" eu fiquei em êxtase).

Demais. ♥